Reflexões sobre o estágio

Na última sexta, dia 26 de setembro, a nova lei de estágios do Brasil sancionada pelo presidente Lula foi publicada no Diário Oficial. Para ver o texto completo basta entrar em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11788.htm.

Essa nova lei já vem dando o que falar há algum tempo. Nesse texto vou expôr um pouco o que acho sobre a nova lei e também sobre o estágio no Brasil. Já alerto que esse texto não é uma análise jurídica do assunto, já que não sou advogada e nem estudante de direito. O máximo que tive de contato com direito foi em uma matéria da faculdade de um semestre, além do meu pai ser advogado recém-formado e minha irmã cursar direito. Ou seja, tenho noções de direito, mas me considero leiga no assunto, portanto não venham entrar no mérito da lei X no capítulo Y que não é esse o tipo de discussão que quero travar e sim algo mais “filosófico”, se que é esse a palavra certa.

Primeiro, devemos pensar o que é o estágio e para que serve. A definição da wikipedia de estágio é “atividade prestada comumente por estudantes, nas empresas ou repartições públicas, visando o aprimoramento profissional na sua área de estudo”, enquanto a função seria de “possibilitar aos aprendizes o conhecimento prático das funções profissionais, e possibilita aos estudantes um contato empírico com as matérias teóricas que lhes são passadas em sala de aula”.

Com certeza todos concordam com está escrito acima. Apesar de ser senso comum o conceito de estágio, este não vem sendo aplicado no Brasil e não é de hoje. É muito comum ver estagiários sendo usados como mão-de-obra barata, além dos trabalhos que muitas vezes desempenham nada acrescentarem em sua formação profissional, sendo tachados como “escragiários”.

É óbvia que o fato de não haver encargos impulsiona as empresas a contratarem estagiários, sendo muito comum a existência de “empresas de estagiários”, onde 50% ou mais dos que lá trabalham são estagiários. Como os estagiários aprendem alguma coisa, sendo que não há muitas pessoas mais experientes para orientá-los nessas empresas?

Pensando nesses problemas fica evidente que o estágio precisa ser regulado (ou melhor regulado) para se evite as deturpações que estão ocorrendo e para que ele sirva ao propósito de sua criação. Nesse aspecto, vemos o sancionamento dessa nova lei, na qual pode-se destacar como principais mudanças:

  • Vínculo do estágio ao projeto pedagógico da escola;
  • Limites de quatro ou seis horas diárias, salvo caso de cursos que alternem aulas teóricas e práticas;
  • Duração do estágio será de até 2 anos;
  • Limite de vagas nas empresas para estágio de nível médio;
  • Férias remuneradas, de 30 dias ou proporcionais.

A nova lei de estágio que entra em vigor a partir da data de sua publicação apresenta tanto avanços quanto retrocessos, apesar de achar que os avanços sejam maiores que os retrocessos.

Acredito que o vínculo do estágio ao projeto pedagógico da escola é um avanço muito grande, pois pretende evitar que os estagiários desempenham funções que nada tem a acrescentar na sua formação profissional. Quantas vezes vemos estagiários que são submitidos a fazer trabalhos de office-boy ou de auxiliar de escritório, sendo que estudam direito? Acredito que desempenhar essas funções podem sim acrescentar alguma experiência, mas não quando são a principal atividade do estagiário. Ainda que acrescentem experiência ao estagiário em algum aspecto deve-se sempre julgar se a experiência é pertinente à futura profissão e para isso acredito ser de fundamental intervenção a instituição de ensino. Ela deve estar ciente do que o estagiário está fazendo, não para controlar todos os passos, mas para orientá-lo de modo a tirar melhor proveito dessa experiência.

Quanto aos limites de horas diários, acredito ser muito positivo. Nessa época da vida, a atividade principal do estudante é o estudo e não o estágio, ele deve se focar mais em estudar do que em trabalhar e sendo o estágio encarado como um “complemento” do estudo jamais deve atrapalhar este. Com oito horas diários é muito difícil que o aluno se dedique tanto aos seus estudos, pois, muitas vezes, tem que acordar cedo para ir trabalhar e à noite vai à faculdade e não raramente acaba dormindo de tanto cansaço. Como aprender alguma coisa nessas condições?

Alguns reclamam que com isso os estagiários estariam sendo tratados de forma diferenciado aos outros funcionários da empresa. Primeiramente, estagiário não é funcionário e isso já é diferente, não dá para compará-los e não devemos jamais fazer essa comparação, simplesmente porque empregado é uma relação de vínculo empregatício, enquanto o estágio não é. Ou seja, são coisas de naturezas diferentes e que não devem ser comparadas. E pelo fato de ser estagiário justifica sim o tratamento diferenciado, pois esta pessoa está em formação, ou seja, ainda não é um profissional completo.

Outros reclamam que fica difícil passar aos poucos mais responsabilidades ao estagiários com carga horária menor. E quem foi que disse que estagiário deve ter responsabilidade dentro da empresa? Na área de engenharia, por exemplo, não são raros os casos de estagiários que já estão gerenciando algumas pessoas. E sabe o que eu acho? Péssimo, porque na grande maioria das vezes o estagiários não possui maturidade suficiente ainda para exercer essa função e até mesmo conhecimento para fazê-lo. Se der alguma coisa errada a culpa vai ser dele? Não deveria, pois ele não é um funcionário da empresa ainda, ele está em formação, ou seja, ninguém disse que ele já sabe tudo o que precisa saber para exercer plenamente a profissão.

Algumas pessoas reclamam ainda que há muitas pessoas que dependem da bolsa do estágio para se manter na faculdade e com a diminuição da carga horária os estagiários ganhariam menos, podendo inclusive não ganhar o suficiente para arcar com seus estudos. Concordo que este seja um problema e não tiro a razão das pessoas. Mas devemos pensar: Será que a função da bolsa do estágio seja a de manter as pessoas na faculdade? Acredito que a bolsa sirva como um complemento, mas não deveria ser usado como a forma dela se manter na faculdade. Mas então como resolver esse problema? Revogar a lei? Acho que não, a medida correta seria pensar em outras formas de resolver o problema como “créditos universitários” ou coisas do gênero. Eu sei que talvez isso só não resolva, mas é o caminho para melhorar.

Quanto à exceção no caso de cursos que alternem aulas teóricas e práticas, acredito que a maioria das pessoas não devem ter entendido muito bem o porquê disso e nem devem saber que existe um curso assim, mas posso afirmar que existe e eu faço esse curso. Qualquer dia desses explico sobre ele…

Um dos pontos que discordo da nova lei é o tempo máximo de 2 anos. Acredito que poderia ser menos, um ano já é razoável. Porque acho isto? A época de estágio não é uma época que as pessoas devam se fixar em um lugar específico mas sim variar para aprender o máximo possível de diferentes áreas da profissão. Mas não é uma falha tão grande. O que acho mais grave mesmo é o fato de algumas pessoas fazerem estágio todo o tempo de faculdade (4, 5, 6 anos) no mesmo lugar. Acho muito tempo e acredito que na grande maioria das vezes isso caracteriza que o empregador queria um empregado e não um estagiário, mas fez essa escolha por ser mais barato.

Muitos reclamam que com a instituição do tempo máximo fica mais difícil a colocação no mercado de trabalho. Acho que não tem tem nada a ver. Não são raros os casos em que a pessoa faz estágio muito tempo em lugar e quando se forma não é efetivada. Mas porque? Oras, porque agora ele não vai mais poder ser estagiário e a empresa precisa arranjar outro para colocar no lugar! A empresa estava investindo todo esse tempo em você porque queria que você fosse efetivado lá? Não seja tolo, empresas não são boazinhas e não existem para fazer caridade. Mas eu perdi tantas aulas para ficar trabalhando até mais tarde? Meus pêsames, mas você não se enquadra no nosso perfil… Mas eu me enquadrava até agora?! (Porque você era estagiário…)

Quanto ao limite de vagas nas empresas para estagiários de nível médio, eu acho muito bom, mas poderia ser melhor. Na verdade, deram só o primeiro passo. Qual seria o segundo passo? Ao meu ver, seria limitar também o número de vagas para estagiários de nível superior, isso sim ia “colocar o dedo na ferida” das empresas. Tem muitas empresas que tem mais estagiários do que empregados, o que acho péssimo, pois não há quem vai orientá-los nessas empresas. Limitar o número de estagiários vai diminuir o uso de estagiário como mão-de-obra barata.

Ai podem vir reclamar que vai diminuir o número de vagas de estágios. Mas é óbvio que vai diminuir e eu não vejo isso como uma coisa negativa não. O número de vagas de estágio atualmente está muito “inchado” por causa dos “falsos estágios”, que na verdade deveriam ser empregos. O que vai acontecer gradativamente é a diminuição de vagas de estágio com a substituição por vagas de empregos e as vagas de estágios oferecidas serão de melhor qualidade, ou seja, serão estágios de verdade e não “escrágios”, fazendo com que o aluno ao procurar um estágio não caia mais em ciladas que comumente acontecem, onde começam desempenhar funções nada a ver com o que deveriam estar desempenhando.

Outo ponto que achei negativo na nova lei foi o direito à férias, pois confunde e ajuda a promover a confusão entre estágio e trabalho (vínculo empregatício). Acredito que, em alguns casos, as férias possam ser justificáveis, mas não em todos. Caso que acredito ser justificável: a pessoa tem que fazer estágio obrigatório no último ano inteiro de faculdade. Depois que ela se forma na faculdade e antes de ser efetivada, acredito que deveria ter férias, senão ela só vai direito a férias depois de mais um ano (ou seja, vai passar dois anos sem direito a férias), o que acho tempo demais, principalmente depois de um ano desgastante em que ela teve que conciliar trabalho de formatura e estágio, o que não é nada fácil.

O assunto estágio é muito mais complexo do que isso, tentei pegar os aspectos principais nesse meu texto, mas tenho certeza que deixei muitas coisas de fora ainda. O grande intuito é promover alguma reflexão e discussão a cerca do assunto, ainda que não concordem com o que foi dito. Opinem!

3 thoughts on “Reflexões sobre o estágio

  1. Eu concordo com você. Quanto às férias eu acho que são necessárias, pelo menos para períodos de estágio superiores a 1 ano.
    E a limitação da quantidade de estagiários também é interessante, pois diminuindo esse estágio-emprego pode aumentar o nº de vagas no mercado para os que se formam.

  2. Parabéns pelo post, muito esclarecedor.
    Eu achei um enorme avanço esta lei.
    Faz com que as empresas tenham que tratar o estagiário como tal, um aprendiz.
    Espero que as empresas sejam fiscalizadas para que a lei seja cumprida.

  3. Olá Nathy,

    Gostei muito do seu texto sobre o estágio, bastante coerente.

    Pelo que fiquei sabendo, parece que essa nova lei também exige uma remuneração mínima. Isso foi o que achei, por um lado, bem negativo. Muitos estagiários se sujeitariam ao trabalho não remunerado (ou baixa remuneração) em prol de adquirir conhecimento. É fato que muitos empregadores podem explorar etc etc, mas é bom tanto para o estagiário quanto para pequenas empresas contratarem estagiários não remunerados.
    Vou procurar me informar melhor sobre essa lei, como te falei, foi de comentários pois estou por fora.

    Achei seu blog pq vc veio me ‘seguir’ no twitter, sei lá por que, ou como… rs (depois vc me explica).

    Parabéns e até logo.

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