Para refletir: Carta aberta para Luisa

Oi Luisa,

Será que você lembra de mim? Sou filho da dona Fany, do Bom Retiro. Provavelmente você lembra, mas talvez por desgosto tenha removido aquela absurda tarde da memória. Só me permito lembrar – lavando estes panos sujos assim tão publicamente – porque o mundo é cheio de Luisas. Porque já se passaram 32 anos e porque, lamentavelmente, o que aconteceu entre nós não é tão incomum.

Quantos anos você tinha? Vinte, trinta? De onde você era? Quem você era? Só sei que você era empregada de casa, que teus seios eram fartos e que eu tinha 14 anos. Você era tímida e já trabalhava em casa há algumas semanas quando a Sheilinha, uma colega de classe, me disse que você já tinha trabalhado na casa da família dela e que você “dava para um motorista de táxi”.

A idéia de que você “dava” não saiu da minha cabeça, e você começou a estrelar obsessivamente todas as minhas punhetas. De tarde eu ficava rondando pela área de serviço enquanto você lavava a roupa. Era um tesão incontrolável, aflito, desesperado e covarde.

Eu nunca gostei daquele bosta do Adalberto e não me perdôo por tê-lo envolvido nessa história. Até hoje, nas poucas reuniões da turma do colégio Renascença, eu o evito. Mas ele era maior e mais corajoso, e eu recorri a ele. Sinto muito remorso, Luisa, pelo que fizemos.

Meus pais e irmãs tinham saído e você estava varrendo a sala quando eu e o Adalberto demos o bote. Não lembro qual foi o nosso papo, mas imagino que tenha sido a coisa mais ridícula do mundo. Pedimos, insistimos sem parar para que você “desse” para nós.

CASA-GRANDE E SENZALA
Lembro de poucos detalhes. Você não queria, mas por força da nossa insistência acabou cedendo. Sinto ódio do Brasil quando penso que você provavelmente tivesse medo de perder o emprego.

O Adalberto, é claro, foi o primeiro. Subi numa escada e fiquei olhando através da janelinha do cubículo que era o teu quarto. Depois fui eu. Não foi bom, Luisa. Na hora do vamos ver fiquei envergonhado e não rolou legal. Até hoje me envergonho. Muito.

Espero que você esteja bem. Espero que para você a memória daquela tarde não seja tão ruim e que você hoje possa rir do que aconteceu.

Desculpas, Luisa.

Henrique. HENRIQUE GOLDMAN, 46, cineasta paulistano radicado em Londres. Seu e-mail é: hgoldman@trip.com.br Este texto saiu na revista Trip (http://revistatrip.uol.com.br/coluna/conteudo.php?i=25613). Após muita polêmica, o autor e a revista se defendem dizendo que o texto é fictício. Ficticio ou não, nos faz pensar sobre o assunto.
Infelizmente casos como o retratado nesse texto não são tão raros de acontecer…
Opinando sobre o texto em si, achei de mal gosto, além do humor negro. As frases mais marcantes na minha opinião são:

  • “Espero que para você a memória daquela tarde não seja tão ruim e que você hoje possa rir do que aconteceu”: fala sério, até parece que algum dia uma mulher que foi estuprada vai achar graça do fato!
  • “Sinto ódio do Brasil quando penso que você provavelmente tivesse medo de perder o emprego”: tanta coisa para sentir ódio nessa história e vai culpar o Brasil pela atrocidade dele?
  • “Não foi bom, Luisa. Na hora do vamos ver fiquei envergonhado e não rolou legal. Até hoje me envergonho. Muito”: parece que ele se lamenta mais da performance sexual dele do que do fato de ter cometido um crime, estuprando Luisa… Passagem com alto teor de machismo!

E vc? O que acha do texto? Reflita e me conte… se tiver coragem!

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