Sobre o episódio ocorrido na USP

Finalmente resolvi falar sobre o episódio ocorrido na USP, antes tarde do que nunca…

Começo primeiramente lamentando o episódio ocorrido e as proporções que ele tomou! Acho que foi de extrema violência tudo aquilo e com certeza desnecessário se uma regra fosse sempre obedecida: a de sentar e conversar até chegar em um acordo razoável entre as partes. Sinceramente isso não vai entrar na minha cabeça, acho que tanto os protestantes se excederam quanto a polícia também se excedeu. Acredito que se era para manter a ordem que a polícia estava lá, porque não colocar a Guarda Universitária? Pelo menos o foco da coisa toda não teria se voltado para o “Fora PM”. Acho que justamente por eles não terem pistola, eles são o pessoal mais adequado para esse tipo de tarefa.

Muitos querem achar os culpados pelo episódio, como quando qualquer coisa acontece, e como se isso fosse resolver muita coisa nesse momento. Eu acho que as coisas são um tanto mais complexas para que isso seja feito.

Tenho certeza que o episódio é um síntoma de uma coisa muito pior: uma crise de poder na USP. Acredito que esse seja sim o real motivo para o desencadeamento de todo o episódio e de muitos outros que já houveram.

Poucos do público externo a USP sabem (e talvez poucos da própria comunidade USP) que a universidade nada mais é que um conjunto de feudos (unidades) reunidos em um reino sobre governo da reitora. Só que cada feudo goza de uma certa liberdade para fazer o que quiser em suas terras. Mas o reino está tentando diminuir o poder dos feudos, com medidas como fazer passar todo o dinheiro das fundações pela reitoria e esta redistribuir do jeito que achar melhor. Lógico que isso não vêm agradando os feudos, pois antes esse dinheiro ia diretamente para eles. Bom, pense na época do feudalismo da história (mas para o final desse período, quando estavam surgindo os primeiros reinos) e você terá a exata idéia de como é a USP. Engraçado como em pleno século 21 ainda tenhamos um exemplo tão bom de feudalismo. Acho que os professores do ensino médio deveriam usar a USP como um exemplo em suas aulas, acho que os alunos entenderiam melhor o que foi aquela época (eu mesma agora entendo bem melhor o feudalismo como nunca)!

Bem, esse é um cenário em crise, não se pode negar. Posso dizer que a USP é uma instituição doente que precisa mais do que nunca de uma mudança radical no que vem fazendo se quiser continuar sendo uma instituição de excelência. A estrutura de poder tem que mudar totalmente, a parte administrativa também.

Professores tem que se preocupar menos com politicagem e poder e mais em ensinar e pesquisar. Não estou generalizando, pois conheci professores excelentes que já tem essa posição por princípios próprios, apesar de todo o estímulo externo de se tornarem professores titulares, diretores de unidade, reitor, chefe de departamento e por ai vai.

Os funcionários também tem sua parcela de culpa. Muitos fazem “corpo mole” e não são competentes para as funções que exercem. Não que eu acho que eles tenham que se matar de trabalhar, mas acho que a competência deve vigorar. Por outro lado, vejo funcionários da USP que fazem horas extras devido a ineficiência de outros e que são muito competentes. Sinceramente, entre os diversos órgãos públicos que frequentei, não tenho a menor dúvida que ainda sim a USP é uma exceção no “bom atendimento”, apesar de todas as falhas que existem. Tem muita gente que culpa a estabilidade dos funcionários por tudo. É muito inocente acreditar nisso como a causa, acho que essa pode até ser uma das causas, mas talvez não a maior.

Os alunos também são culpados pela situação. Até quando os estudantes universitários vão achar que são como os estudantes de ensino médio que vão ao colégio, esperando que os professores os façam aprender tudo e indo para casa depois da aula? Estudantes universitários não devem ser assim! Estudantes universitários devem ser críticos, devem contribuir com o crescimento e a melhoria da universidade a qual pertencem! São adultos e por isso, há de se esperar que tenham uma atitude mais madura, de construção conjunta da universidade e não de mais um número que vai estudar 4 ou 5 anos na USP e acabar logo com isso! Minha experiência pessoal me mostra que aprendi muitas coisas importantes para minha vida profissional e pessoal FORA da sala de aula. Participando, vivendo muito mais do que só as aulas, como deve ser! E apesar do que possam achar eu não sou nenhum “desastre acadêmico”, tenho minha vida em dia e não sou uma dos melhores alunos da sala pelas escolhas que fiz e para conciliar outras atividades que acho importantes também.

Enfim, acredito que alguns foram errados por ação e a grande maioria por omissão.

Ah, e lógico! Não podemos ser ingênuos de pensar que não a ver com o fato das eleições de reitor estarem próximas. Isso só reforça mais a minha idéia de que trata-se de uma crise de poder da universidade a causa de tudo isso e não só as pautas da greve e das reinvidicações. Elas servem muitas vezes para que o movimento ganhe volume, com pessoas que realmente acreditam nessas reinvidicações e que não sabem dos demais motivos.

Vou finalizando por aqui meu texto, apesar de não ter esgotado o assunto como gostaria, mas um post maior não será lido…

2 thoughts on “Sobre o episódio ocorrido na USP

  1. Oi, Nathy! Você é a primeira politécnica que conheço por meio de blogagens! (Conheço muuuuitos politécnicos, pois desde 1998 dou aulas de inglês na poli)

    Antes disto fiz sociologia na usp, antes disso fiz Bio. Completei os cursos dentro do tempo previsto, aluna exemplar em ambos, mas sempre envolvida com eventos nas mais diversas unidades – palestras, atividades culturais e curiosa dos eventos políticos. Não levei bomba com a moçadinha mais nova, e também nunca fui de partido político nenhum. A curiosidade sociológica sempre me leva aos acontecimentos ao vivo. E também a pesquisá-los. Como professora particular de inglês tenho a chance de ter aulas – meus alunos me ensinam – sobre lógica fuzzi, aços austeníticos e martensíticos, cosmologia, física quântica, engenharia civil, paleontologia, arquitetura, neurofisiologia, marketologia, chain production management, são entre muitos outros alguns dos assuntos que aprendo (claro, no nível do básico menos um) com meus alunos. Tudo o que um professor curioso como eu desejaria na vida: especialistas que sentam-se com ele 3 horas por semana pra ensinar pro professor os rudimentos da sua ciência ou especialização enquanto aprendem inglês.

    A USP, como toda universidade, tem suas origens no feudalismo, ou melhor, na instituição que se formou pela igreja feudal para defender e atacar teses teológicas que surgiam dentro da igreja. Muito disso deu em cultura – Santo Agostinho e Tomás de Aquino são filósofos usados até hoje na ciência política, por exemplo (não que eles não usem o novo, mas toda técnica interpretativa, assim como a técnica tecnológica, tem suas origens e tanto para uma quanto para a outra, os feitos do passado podem ser revisitados à procura de inspiração teórica o tecnológica). Barcos modernos utilizam certos avanços tecnológicos de barcos que afundaram, como o Titanic. Assim ouvi um especialista dizer. Mas é claro que se o modelo do Titanik for utilizado inteiramente, produzir-se-á um barco com grandes probabilidades de afundar. O mesmo quanto aos modelos ou visões do passado. É preciso ver que com o andamento da história, outros eventos e mecanismos se adicionam aos primeiros e os modificam. Assim, a USP, como todas universidades modernas, mantém certos resquícios das cátedras teológicas criadas dentro da igreja, e isso pode ter tanto certos efeitos desejáveis quanto indesejáveis, mas o desenvolvimento das universidades passou por muitas fases que modificaram estas instituições, incluindo outros preceitos de admissão de verdade, outras formas de ingresso na instituição, outros mecanismos, que tem mais a ver com a era moderna do sistema econômico, como a questão da produção (a universidade eclesiástica da era feudal não tinha que produzir nada – só controlava facções hereges dentro e depois fora da igreja, o que deu séculos depois em muitas coisas, entre elas os processos de inquisição, que a universidade moderna não faz), admitiu o sistema de carreiras, o trabalho assalariado, tudo coisa que não existia na igreja, as leis de trabalho, uma vinculação específica com o estado (o estado é invenção política muito mais moderna que a igreja. na verdade, a idade média tem muitas fases, não foi uma coisa só. os responsáveis por jogar a medievalidade nas trevas, simbolicamente e reduzi-la a uma coisa monolítica foram os renascentistas, que inventavam um novo sistema de poder político, econômico e também de produção de conhecimento, que mais tarde entrou na universidade.

  2. (parte 2)
    Você deve se lembrar que Copérnico, que produziu conhecimentos de fora da universidade, foi ameaçado pelas cátedras responsáveis pela inquisição, mas, anos mais tarde, esta nova forma de fazer ciência viria se adicionar àquelas já existentes nas instituições universitárias que se laicizavam lentamente. De qualquer modo, é um certo erro pensar que os métodos científicos surgiram do nada no início da era moderna, pois eles remontam à era medieval, e antes disso, à era antiga.

    Concordo com seu mote: knowledge is useless unless you share it. Por isso escrevo comentários longos como este. Mas, para além disso, todo conhecimento pode se provar total ou parcialmente errado.

    por conta do sharing, vou indicar alguns posts sobre a greve na USP que não devem ser aceitos, ams devem ser pensados, assim como eu pensei sobre o que você escreveu. Você vai ver que estas pessoas estão bravas – com a reitora, com o Serra – mas deixe isto de lado e leia os relatos, veja os vídeos e tire as suas próprias conclusãoes, pois é uma coisa que eu aprendi como professora, a cabeça de cada um é de cada um e ainda bem que é assim, se não seríamos uma espécie de grande borg, um robô autômato de mente única. Apenas indico estes, que foram o que escrevi e o que li (alguns dos muitos que li)

    http://algodao.algumlugar.net/2009/06/o-que-quer-a-reitora-sueli/

    http://algodao.algumlugar.net/2009/06/usp-repressao/

    http://liberdadedeexpressao.net.br/2009/06/10/a-guerra-de-uma-reitora-pela-atencao-das-cameras-da-midia/

    http://algodao.algumlugar.net/2009/06/mais-sobre-a-greve-na-usp/

    http://www.idelberavelar.com/archives/2009/06/serra_nao_pode_ser_presidente_notas_sobre_a_barbarie_na_usp.php

    http://tuliovianna.wordpress.com/2009/06/12/comandante-tinha-ordem-para-prender-lideres-da-greve-na-usp/

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