De graça até injeção na testa?

Há cerca de um mês vêm sendo publicadas na mídias diversas notícias sobre o projeto Internet.org e suas controvérsias. Esse projeto é liderado pela empresa Facebook e congrega diversas empresas do setor de TICs (Samsung, Nokia, Ericsson, Mediatek, Opera). Segundo o próprio site do projeto, o objetivo é “juntar líderes de tecnologia, organizações sem fins lucrativos e comunidades locais para conectarem os dois terços do mundo que não têm acesso à internet”.
E como o projeto pretende fazer isso? Ele atua em três linhas de ação. Na primeira delas é a disponibilizado um aplicativo de telefonia móvel capaz de prover acesso gratuito à serviços básicos (informações de interesse local, sites de busca de emprego, acesso ao próprio Facebook, acesso à Wikipedia, motores de buscas específicos, etc.). Esse app já está disponível em partes da África, América Latina e Ásia.
A segunda linha de ação é voltada ao desenvolvimento de tecnologias de conectividade capazes de tornar o acesso à Internet mais barato nas comunidades ao redor do mundo. Estão sendo explorados uma variedade de tecnologias, incluindo aviões de alta altitude com grande resistência, satélites e lasers.
A última linha de ação pretende ajudar desenvolvedores a entender como seus apps irão funcionar em diferentes partes do mundo. Há um laboratório com um ambiente de teste que imita uma variedade de condições da rede, dando aos desenvolvedores uma maneira de garantir que seus aplicativos funcionarão mesmo em áreas muito remotas.
O projeto foi lançado há quase dois anos, em agosto de 2013. Mas porque agora está gerando notícias e controvérsias aqui no Brasil? Durante a Cúpula das Américas entre os dias 10 e 11 de abril de 2015 na Cidade do Panamá houve um encontro da Presidente Dilma Rousseff e do CEO do Facebook, Mark Zuckerberg. Nesse encontro, Zuckerberg deixou claro que pretende ampliar a atuação do projeto Internet.org no Brasil, inclusive com um piloto na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo.
Muitas dirão que isso é excelente, certo? Afinal, a ideia é oferecer internet gratuita a quem não tem acesso por não ter como pagar e não há como isso ser ruim. Mas é preciso enxergar além da aparente benevolência dessas empresas, entender qual é a lógica por trás desse projeto e quais são as controvérsias do caso.
Primeiro ponto que é preciso deixar claro é que é uma estratégia óbvia do Facebook para angariar mais usuários para sua base, que já não é nada modesta: cerca de 1 bilhão de usuários (lembrando que o planeta tem 7 bilhões de habitantes). Mais usuários significam hoje mais poder no mercado de dados e também financeiro.
Segundo ponto bastante problemático do projeto é se dizer que será levada Internet para as pessoas que não têm acesso. Na verdade, se lermos bem, vamos perceber que o que é oferecido acesso a uma “parte” do que está disponível na Internet (prover acesso gratuito à serviços básicos). E, afinal, quem define quais são esses serviços básicos? Quem diz que acesso ao Facebook é um serviço básico que todos deveriam ter acesso? Por que o Facebook e não o Twitter ou o LinkedIn? Resposta mais que óbvio que são as empresas que tocam o projeto que definem tudo o que os usuários poderão acessar ao seu bem prazer.
Ai que mora o perigo. Segundo o Marco Civil da Internet, que já está em vigor há mais de um ano no Brasil, o princípio de neutralidade de rede deve ser assegurado nas conexões. Para quem não sabe esse princípio versa sobre o tratamento igualitário que todas as informações que trafegam na rede devem ter, sendo transmitidas na mesma velocidade. É esse princípio que garante o livre acesso a qualquer tipo de informação na rede.
Porém, um usuário do Internet.org não vai poder ver o que ele quiser, qualquer tipo de informação. Ele poderá ver o que essas empresas acharem conveniente. Ou seja, isso significa uma quebra no princípio de neutralidade de rede e uma infração ao Marco Civil da Internet.
Mas, outros dirão: de graça até injeção na testa. Se as empresas estão “dando de graça” o acesso à Internet, eles podem controlar o que o usuário pode acessar e ele não pode reclamar, afinal é de graça. Certo? Esse é um argumento muito perigoso. E esse poder todo nas mãos de empresas multinacionais é uma questão problemática também. Ainda quando se trata de pessoas que atualmente estão excluídas digitalmente. É esse o modelo adequado de inclusão digital para o Brasil? Isso pode ser tratado como inclusão digital ou é só uma forma dessas empresas se fazerem de “boazinhas” perante seu público, como se estivessem realmente se preocupando com o problema, mas estão mais pensando em como angariar novos clientes a qualquer custo (mesmo sobre a desgraça alheia)?
Outra questão bastante importante a ser levada em consideração. Ter acesso ao Facebook (ou a aplicações selecionadas) não é ter acesso à Internet. Pelo nome dado ao projeto (Internet.org) se esperava que o usuário pudesse ter acesso à Internet, toda a Internet, qualquer coisa que quisesse. Mas não é isso que está sendo oferecido. Está sendo oferecido acesso a uma pequena parte do que chamamos de Internet. Ao nomearem a iniciativa ou agiram de má fé colocando esse nome (uma propaganda enganosa das boas) ou não saberiam que daria esse reboliço. Cada um faça seu julgamento.
Outros países já estão rodando pilotos do projeto, mas em meio a uma chuva de críticas. Um exemplo é a Índia, na qual alguns serviços deixaram o projeto Internet.org, alegando que se preocupam com as repercussões do projeto na neutralidade da rede do país.
Essa discussão está longe de chegar ao fim. Tem muitas questões em debate e inclusive qual o modelo de Internet e qual sociedade queremos no futuro.

Foto: Dr. Braun
Licenciada em Attribution-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-SA 2.0)

One thought on “De graça até injeção na testa?

  1. Internet de graça!!! Nem com as restrições no controle de dados! Um País cheio dos ( Hue, hue ) usuários na internet, Isso só tira a credibilidade das pessoas que pagam por um serviço de internet. Acho que investir em Educação básica seria a melhor estratégia de Marketing.

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