Crucificando a intolerância

Esse mês de junho já está marcado como o mês da Intolerância. 
Primeiramente, a marca O Boticário divulga sua propaganda do Dia dos Namorados. Nada de incomum, não fosse a polêmica a cerca de uma casal de homens se abraçando e trocando presentes no vídeo. Isso mesmo: eles nem ao menos se beijaram na boca, apenas se abraçaram! Muitas pessoas caíram em cima, falando ser um absurdo que isso fosse exibido na televisão. Depois, foi iniciada uma cruzada contra o vídeo no Youtube para marcá-lo como “Não gostei”. Além dos comentários nas redes sociais em que se viu todo tipo de acusação: contra a tradicional família brasileira, contra os evangélicos, contra os homossexuais, etc. Todos acusando todos.
Dias depois, a Parada Gay acontece e mais uma polêmica surge: uma transexual crucificada assim como Jesus Cristo foi. Apenas uma pessoa encenando uma situação que era comum no Império Romano. Mais acusações de todos os lados, mas em especial surge um termo novo: “Cristofobia”. Os LGBTs teriam profanado a crença dos cristãos por usarem a cruz em seu movimento. Inclusive já há proposta em transformar a tal “Cristofobia” em crime hediondo, com penas mais duras, como repercussão de tal fato!
Os dois episódios citados acima mostram a intolerância como regra na convivência das pessoas. Afinal, as diferenças não estão sendo respeitadas. E tudo isso mostra tudo menos amor que as diferentes vertentes religiosas pregam. É realmente estranho que alguns religiosos que se entitulam como cristãos (sendo que os ensinamentos de Cristo estão no Novo Testamento) vivam ainda segundo o Antigo Testamento, onde a regra de ouro era “olho por olho, dente por dente”. Os que teoricamente deveriam ser mais tolerantes se mostram como os mais intolerantes às diferenças e ao que julgam como pecado.
Ainda fico indignada pensando em que mundo vivemos. Um simples abraço entre pessoas é tido como algo repulsivo e indesejável de ser visto por famílias, porque supostamente incentivaria a homossexualidade. Então o desejável é as pessoas acusarem-se mutuamente porque não vivem da mesma forma? Será que a propaganda chamou mais atenção sobre a homossexualidade ou foi a revolta daqueles que a acharam inaceitável? Não fosse a polêmica muitas pessoas nem teriam visto a tal propaganda ou teriam a visto com olhos isentos de preconceito ou até de enxergar nisso uma ação afirmativa de uma realidade existente.

Com certeza, a crucificação de uma trans na Parada Gay já é um outro caso, pois foi feita como uma ação afirmativa do movimento, com o intuito de chamar a atenção à causa. E chamou. Alguns tentaram entender qual a mensagem que se queria passar com aquilo. Outros nem chegaram no racional e gritaram como infâmia a sua crença. A mensagem era bastante óbvia: os LGBTs são “crucificados” diariamente simplesmente por assim serem. São crucificados quando são julgados ou quando até sofrem violência física simplesmente por sua forma de viver.

Jesus Cristo, símbolo das vertentes religiosas cristãs, foi crucificado e todos sabemos. Mas ele foi uma das centenas ou milhares que assim morreram por não viveram de acordo com que o Império Romano achava certo. A cruz pode ser um símbolo de adoração para alguns com olhos crentes, que vão se lembrar dos sacrifícios de seu Mestre, enquanto para outros será apenas um instrumento de tortura e morte amplamente usado na história. Daí a dizer que profanaram ao próprio Cristo e às religiões cristãs há uma distância grande. Pode ter sido um “cutucão” proposital dos LGBTs nos cristãos mais fanáticos? Talvez tenha sido sim para gerar mais repercussão à mensagem que se desejava passar. Não só a tática teria dado certo como também exemplificou muito bem o porquê da mensagem ainda precisar ser passada: a intolerância às diferenças existe ainda muito entre as pessoas, inclusive entre as que se dizem espiritualizadas.

Infelizmente em todo esse debate houve muitas generalizações de todos os lados. Como já se sabe: toda a generalização é burra. Todos os cristãos concordam que a propaganda dO Boticário incentiva a homossexualidade? Não. Todos os cristãos se sentiram agredidos com uma representação de uma crucificação na Parada Gay? Não. A intenção de todos LGBTs era agredir a crença dos cristãos? Não. A intenção da marca foi “agredir” os heterossexuais ou influenciá-los a “virarem” homossexuais? Não. Nenhum grupo de pessoas é totalmente homogêneo. Há sempre muitas gradações dentro de uma mesmo grupo, quem achar que é tudo igual está sendo leviano. Normalmente, as generalizações levam a intolerância a níveis extremos e por isso há que se cuidar dessa certeza de que tudo é muito “preto no branco”.

Se tem uma coisa que merece ser crucificada, essa é a intolerância aos diferentes de nós, pois se há uma verdade é a de que todos estaremos errados em algum momento de nossas vidas, mas que temos o direito de não sermos julgados por isso.

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