A favor da legalização do aborto, mas contra o aborto. Pode?

O aborto é um assunto que desperta muitos discursos inflamados e muitas argumentações sem fundamento para tentar dar razão a algum dos lados. Há de um lado os “pseudo-religiosos” que acham que só sua crença é válida, bem como a sua opinião e devem enfiá-la goela abaixo de cada ser humano da face da Terra. Mas há também de outro lado os extremistas “anti-religiosos” que acham que qualquer religião ou crença na face da Terra representam um atraso e que as mesmas são causadoras de toda a desgraça que ocorre na sociedade.
Nem tanto ao céu, nem tanto ao Inferno! Eu diria que uma posição sensata é o equilíbrio, parar de enxergar as coisas apenas preto no branco. Há muitos tons de cinza entre eles. Por um lado, não se deve combater todas as religiões sob a égide de que são um atraso para a humanidade e não permitem que leis como a da legalização do aborto sejam aprovadas. Mas também há que se convir que estamos em um país livre, em que se pode acreditar no que quiser e inclusive não acreditar em coisa nenhuma e não há como barrar uma lei por argumentos baseados em crenças particulares de certos grupos religiosos.
Para os religiosos, gostaria de esclarecer que ser a favor da legalização do aborto não é o mesmo que ser a favor do aborto em si. E não há nenhuma contradição em ser a favor de um e não de outro. Ser a favor da legalização é ser a favor do direito de escolha, que cada uma possa fazer aquilo que lhe pareça mais adequado, sem que seja uma criminosa por isso. Assim como se tem a possibilidade de escolher uma crença/religião, assim as pessoas devem ter a possibilidade de escolher o que fazer da sua vida. 
Lógico que toda escolha envolve responsabilidade e tem limitações. Acredito que o limite é quando não afeta o direito do outro. Por isso que existem as leis para assegurar que o direito de um não afete de forma negativo um outro. Então, o que o aborto de uma outra mulher tem a ver com você? Uma mulher poder abortar sem ser chamada de criminosa afeta o direito de outra pessoa como? Aqui lembro que não há nenhuma evidência científica de quando a vida começa durante uma gestação.

As mulheres que optam pelo aborto, com raras exceções, não fazem isso como quem vai ao parque, sem a menor preocupação ou apenas por leviandade. É uma escolha difícil e dura de se fazer, envolve responsabilidade, inclusive com as próprias consequências que se pode ter em seu corpo e principalmente em seu psicológico.

Ainda lembro aqui que o aborto hoje é tido como problema de saúde pública, pois as mulheres tem que sujeitar a fazer abortos em clínicas clandestinas que não possuem profissionais competentes, nem sempre a higiene adequada e nem os equipamentos para serem usados em um caso de emergência. Mulheres morrem, outras ficam estéreis ou com outras sequelas devido a um aborto mal feito. Muitas acabam na rede pública depois para tratamento em consequência disso. A legalização poderia amenizar esse tipo de ocorrência que só onera o nosso sistema de saúde de forma desnecessária.

Você que é religiosa e acredita que a partir da concepção já há uma vida, se houver a legalização do aborto, será obrigada a abortar seu bebê? Não, não será. Mesmo em caso de estupro poderá manter a gravidez se assim desejar. Você continuará a ter a possibilidade de achar que o aborto é errado mesmo com a legalização. Mas, e se alguém acreditar diferente de você, já que não há nada provado cientificamente de quando a vida se inicia? Poderá abortar e você não será afetada em nada.

Ainda que o aborto seja visto como um pecado na sua religião e que a mulher será punida por Deus por seu ato, você continua não tendo nada a ver com isso, pois Deus nos deu o livre-arbítrio que nos permite fazer o que quiser desde que não se reclame depois das consequências. E, nesse caso, cadê a tolerância com os erros dos outros como pregou Jesus?

Eu mesma não faria um aborto por causa de minhas crenças, mas tenho convicção de que a mulher deve poder decidir o que é melhor para si nesse caso. Não acredito que cabe a mim julgá-la pelos seus atos, bem como não acho que isso me afeta de maneira alguma para que me sinta ofendida com que ela possa ter esse direito de escolha. Ter o direito de escolha não quer dizer que sempre o aborto será escolhido como solução.

Ainda acredito que um dia conseguiremos construir um mundo baseado na tolerância e que cada um consiga cuidar mais da sua vida e, ao invés de tentar mudar a todos, ser uma pessoa melhor, lembrando que a mudança começa no seu próprio ser!

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